Nos últimos anos, a tecnologia tem transformado profundamente o funcionamento do Poder Judiciário brasileiro. Um dos marcos dessa evolução foi a edição da Resolução nº 332/2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamentou o uso da Inteligência Artificial (IA) na automação de serviços judiciais. A proposta é clara: buscar maior eficiência, celeridade e coerência nas decisões, sempre em respeito aos direitos fundamentais.
No entanto, quando falamos do Direito de Família, a aplicação da inteligência artificial exige reflexão e cautela.
As relações familiares não são compostas apenas por normas e fatos objetivos. Elas carregam afetos, subjetividades e histórias únicas. Cada processo traz consigo dramas pessoais e emocionais que não se resumem aos documentos dos autos. Por isso, essa é uma área do Direito que demanda não apenas conhecimento técnico, mas também empatia, sensibilidade e capacidade de interpretar entrelinhas, habilidades humanas que, até hoje, nenhuma tecnologia conseguiu replicar de maneira genuína.
Sem dúvida, a IA pode ser uma grande aliada na gestão judicial, otimizando rotinas administrativas, triando processos e agilizando movimentações. No entanto, decisões que envolvem guarda de filhos, dissolução de vínculos afetivos ou definição de alimentos devem permanecer sob responsabilidade exclusiva dos magistrados e operadores do Direito. Tais questões envolvem muito mais que lógica: exigem análise humana atenta e sensível.
Outro ponto crucial é a proteção dos dados pessoais. Consagrada como direito fundamental pela Emenda Constitucional nº 115/2022 e regulamentada pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018), essa proteção impõe limites rigorosos ao uso de tecnologias na coleta e tratamento de informações sensíveis. No Direito de Família, onde privacidade e dignidade são pilares essenciais, o risco de cruzamento indevido de dados não pode ser negligenciado.
Assim, o caminho que se desenha é o uso consciente e criterioso da inteligência artificial como ferramenta de apoio, e não como substituta da atuação humana. A tecnologia deve estar a serviço da pessoa humana, e não o contrário.
O Direito, como instrumento de realização da Justiça, precisa acompanhar a evolução dos tempos. Mas, especialmente no Direito de Família, é essencial que preservemos aquilo que nos torna únicos: a capacidade de compreender e acolher as emoções humanas que os algoritmos ainda não sabem decifrar.
Autoras: Catarina Ribeiro Bragança Marques e Arielle Silva Vieira Cavalcanti
Áreas: Direito Privado Estratégico e Direito de Família
Sócio responsável: Dr. Rodrigo Queiroga