Autores: Catarina Bragança e Luiza Viana
Sócio responsável: Dr. Carlos Vieira (Área de Direito Privado Estratégico)
A crescente digitalização dos serviços financeiros, impulsionada tanto pela conveniência quanto pela estratégia das próprias instituições bancárias, trouxe uma nova dimensão a desafios antigos: a fraude. Se antes os golpes se restringiam a cheques clonados ou cartões furtados, hoje o cenário é marcado por transações via Pix não reconhecidas, empréstimos consignados contraídos por terceiros e uma variedade de artifícios que exploram a vulnerabilidade do consumidor no ambiente virtual.
Nesse contexto, ganha relevo a discussão sobre a responsabilidade civil das instituições financeiras pelos danos decorrentes dessas fraudes em ambiente digital. Longe de ser uma questão meramente técnica, trata-se de um tema central para a efetiva proteção do consumidor e à própria preservação da estabilidade e confiança no sistema bancário. Este artigo propõe uma análise crítica acerca dessa responsabilidade, com fundamento na legislação aplicável e na interpretação consolidada na jurisprudência brasileira, com especial atenção aos casos relacionados a fraudes envolvendo o sistema Pix e operações de empréstimo consignado.
O ponto de partida para essa análise é o reconhecimento da existência de uma relação de consumo entre o banco e seu cliente. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Súmula 297, pacificou o entendimento de que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Essa diretriz não é meramente simbólica. Ela atrai para o contrato bancário todo o microssistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor, inclusive a regra da responsabilidade objetiva do fornecedor.
O artigo 14 do CDC é categórico ao dispor que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
No contexto bancário, o “defeito” na prestação do serviço frequentemente se traduz em falhas no dever de segurança. A esse respeito, a juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio observa, em artigo publicado pelo TJDFT “Responsabilidade civil das instituições financeiras nas fraudes eletrônicas”, que a instituição financeira, além de buscar o lucro, tem o dever de assegurar que essa atividade não comprometa os bens juridicamente tutelados de terceiros. O descumprimento desse dever configura a falha na prestação do serviço, nos termos do §1º do artigo 14 do CDC.
Com frequência, os bancos tentam afastar sua responsabilidade alegando culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, excludentes previstas no §3º do mesmo dispositivo legal. No entanto, a jurisprudência tem adotado postura rigorosa na análise dessas alegações. Para que a culpa exclusiva afaste a responsabilidade do banco, o evento danoso deve estar “absolutamente dissociado” de qualquer falha na prestação do serviço, seja em termos de segurança, seja de informação. Se o golpe só ocorreu porque o sistema bancário era deficiente ou porque o cliente não foi adequadamente informado sobre os riscos, subsiste a responsabilidade objetiva do fornecedor.
Mesmo quando há alguma imprudência do consumidor, como nos casos de golpes de engenharia social em que ele fornece senhas, a jurisprudência majoritária adotada pelos tribunais brasileiros entende que isso, por si só, não exime o banco do dever de indenizar. A circunstância pode, no máximo, justificar a redução do valor da indenização, especialmente se também restar configurada falha nos mecanismos de segurança da instituição, a exemplo da ausência de bloqueio automático de transações atípicas. A análise do caso concreto é essencial, mas a orientação jurisprudencial tem se firmado no sentido de proteger o consumidor, parte vulnerável na relação contratual.
Em um cenário de crescente vulnerabilidade digital, manter elevados padrões de segurança e assumir os riscos inerentes à atividade bancária não são apenas obrigações legais: constituem pressupostos para a confiança e a própria sustentabilidade do sistema financeiro. A proteção do consumidor, nesse contexto, ultrapassa o interesse individual e se revela como um verdadeiro pilar da ordem econômica e social e, portanto, como fundamento normativo inafastável da atuação das instituições financeiras.